“É preciso converter aquilo que somos em problema, o habitual em insuportável, o conhecido em desconhecido, o próprio em estranho, o familiar em inquietante.”
Larrosa, 2000
Escolhemos essa frase para iniciarmos os encontros de professoras e professores de A10s na necessidade urgente de repensarmos o espaço desse ano ciclo, das práticas pedagógicas que aí desenvolvemos e também o currículo que pensamos para as crianças que ingressam no ensino fundamental.
Nesse contexto é que a assessoria pedagógica da região leste propôs discussões e debates, num primeiro momento, em torno da legislação, seu histórico e sua caminhada junto às concepções de alfabetização e letramento que perpassaram ao longo dos últimos quarenta anos.
Percebe-se que as leis em relação à obrigatoriedade de frequência à escola são bastante recentes. A lei nº 5.692 de 1971 foi a que instituiu os oito anos de ensino obrigatório (somente há quarenta anos atrás, pasmem!). Até essa data havia a obrigatoriedade do ensino fundamental somente até o sexto ano do então chamado Ensino Primário. Isso nos faz pensar que enquanto política pública o processo de escolarização inicial e a entrada das crianças no ensino fundamental só ganhou força a partir da década de setenta, recentemente, portanto.
Nessa alavancada da legislação a partir de 1970, ganharam força também as concepções em torno dos processos de alfabetização, entendido nessa época apenas como codificação e decodificação dos códigos escritos. E foi nessa época também que houve a explosão das cartilhas e de variados métodos de alfabetização. Um dos mais famosos foi o método fônico da "Abelhinha", que trabalha a partir de um alfabeto com palavras fixas e através delas as famosas famílias silábicas:
Já na década de oitenta, dois importantes nomes do meio téorico educacional, chegaram para revolucionar as práticas de alfabetização: Emilia Ferreiro e Ana Teberoski. Inspiradas pelos estudos de Jean Piaget sobre os estágios da construção da inteligência, essas dedicadas "moças" trouxeram a ideia de que os indivíduos passam por determinadas etapas em seus processos de aquisição da leitura e da escrita. Esses estudos, chamados de Psicogênese da Língua Escrita, não só revolucionaram o meio acadêmico, como também trouxeram imensas contribuições para as práticas cotidianas de alfabetização, modificando em muito as intervenções pedagógicas em inúmeras salas de aula.
Depois dessas "descobertas" de Emilia e Ana, muitas outras contribuições teóricas vieram para reforçar as reflexões em torno das práticas pedagógicas, tais como a alfabetização funcional, os usos sociais e culturais da leitura e da escrita, o letramento.
Pensando em todos esses processos e mudanças descritas acima, fez-se necessário uma aproximação do histórico da rede municipal de Porto Alegre, iniciando pela polêmica instituição dos Ciclos de Formação, Proposta Político-Pedagógica da Escola Cidadã, em 1995, em fase piloto na EMEF Vila Monte Cristo. A referida proposta, redigida no Caderno Pedagógico nº 9, baseou-se no grande téorico da aprendizagem Jean Piaget e trouxe a idéia de três ciclos de aprendizagens, pensando nos ciclos de vida dos sujeitos, cada um composto de três anos. Assim, dentro dessa proposta, os nove anos de ensino fundamental já estavam instaurados, embora não houvesse uma legislação que versasse sobre a obrigatoriedade do 1º ano do 1º Ciclo.
Sendo o primeiro ciclo a etapa inicial de escolarização, pensando nas etapas do período pré-operatório concreto, esse ciclo em seu todo, ou seja, em seus três anos, caracteriza-se, segundo o caderno pedagógico nº 9, pelo intenso desenvolvimento social, do grafismo infantil e também pelo processo de alfabetização. E, dentro desse processo, a possibilidade de trabalho com diferentes linguagens: escrita, corporal, oral e matemática.
Passados mais de quinze anos da implementação dos Ciclos de Formação da RME/POA e com o advento da redação dada à LDBEN pela Lei 11.274/2006 que trata da obrigatoriedade do ensino fundamental de nove anos, em 2009, a Assessoria Pedagógica do Ensino Fundamental, reacende o debate em torno do espaço da A10 e das práticas aí desenvolvidas, lançando o Referencial Curricular para o 1º ano do Ensino Fundamental intitulado "O Desafio de Brincar e Aprender". Dividido em áreas do conhecimento, o documento elaborado em conjunto com professores e professoras da RME/POA, trabalha na perspectiva do processo de alfabetização e letramento a partir das turmas de A10, pensamento esse muitas vezes rechaçado em momentos anteriores, mesmo diante da proposta pensada e escrita no Caderno Pedagógico 9.
Assim, nesse contexto, nós, atual assessoria pedagógica das escolas municipais da região leste de Porto Alegre, propomos discutir o lugar da prática pedagógica nas turmas de A10s, sempre tendo em vista a proposta da presente mantenedora de início do processo de letramento e alfabetização nesse período e aos seis anos de idade.
Esperamos ter contribuído com as reflexões de cada colega que tenha participado desses três encontros nas nossas microrregiões. Foram manhãs muito prazerosas e de intensas aprendizagens.
Terminamos com o pensamento do intenso Larrosa...
“E não lamentar-se pela perda, daquilo que somos e já estamos deixando de ser, pela crise de saberes, de nossas práticas ou nossos valores, mas interrogar-se porque necessitamos conhecer dessa maneira, atuar dessa maneira, acreditar em tudo isso.”
Larrosa, 2000